Análise: Câmbio valorizado muda rota da Selic
28/02/2008 - 08h15
Ontem o dólar experimentou a sua oitava queda consecutiva. Fechou cotado a R$ 1,6720, com recuo de 0,71%. Nesses oito dias, a moeda desvalorizou-se 4,62%. Mas haverá pausas no caminho declinante do dólar, sem invalidar a tendência principal.
No patamar de R$ 1,50, o dólar forçará uma revisão da política monetária do Banco Central. Não vai dar para sustentar a Selic em 11,25% até o fim do ano como parece ser o desejo do Copom. O juro básico terá de começar a cair no segundo semestre, pois os modelos econométricos estarão estimando IPCA abaixo de 4% para este ano e 2009.
Não será uma queda de juro "heterodoxa", destinada a dissuadir o ingresso de capital externo especulativo que vem atrás do diferencial crescente entre os juros internos e os externos. Será um reinício do ciclo de flexibilização motivado pelo recuo da inflação.
O Banco Central vem recebendo um ótimo argumento para rechaçar a idéia de que bastaria derrubar a Selic para reverter a nova onda de apreciação cambial. O argumento é o de que o dólar está caindo muito forte também em países que não pagam, como o Brasil, juros reais exorbitantes. Das moedas que mais se valorizaram ontem em relação ao dólar, o real é apenas a quinta. Antes dela, vem o rand sul-africano (1,89%), a coroa norueguesa (1,61%), o dólar canadense (1,58%) e o franco suíço (1,47%). Os grandes investidores globais estão fugindo das aplicações denominadas em dólar, dada a leniência monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
O movimento internacional de enfraquecimento do dólar foi reforçado ontem por pronunciamento do presidente do Fed, Ben Bernanke, no Comitê Financeiro da Câmara. Bernanke repisou o discurso de que será mantido o afrouxamento monetário por causa dos riscos ao crescimento econômico trazidos pelos mercados imobiliário, de crédito e de trabalho. Apesar de fortes, as pressões inflacionárias não serão combatidas no momento. Diante dessa fala, o mercado futuro de "fed funds" consolidou a expectativa maciça de um corte de 0,5 ponto na reunião do Fomc do dia 18 de março. Os contratos futuros projetam taxa de 2,5% para a virada de março para abril.
Como a Selic deverá ser mantida em 11,25% na reunião do Copom da semana que vem, o diferencial de juros, já em elevadíssimos 8%, irá subir para 8,54%. Esse é o ganho anual das arbitragens. Lucros mais expressivos são obtidos diretamente da apreciação cambial. Só nos 25 pregões desde o pânico instalado nos mercados globais em 21 de janeiro até ontem, o dólar já tombou mais do que o diferencial de juros: a desvalorização da moeda americana foi de 8,63%.
É por essa razão que uma das vedetes entre as aplicações de investidores estrangeiros no Brasil consiste na montagem de posições "vendidas" em dólar nos mercados de derivativos de câmbio da BM&F. O saldo "vendido" líquido do capital externo está, pela última posição oficialmente conhecida, referente ao dia 26, em US$ 6 bilhões, quando os fundos estrangeiros encerraram o ano passado "comprados" em US$ 4,21 bilhões.
A tendência de baixa do dólar será exacerbada hoje nos mercados de dólar futuro e de cupom cambial. A razão é que hoje, véspera do encerramento do mês, é o dia mais conveniente para a derrubada do dólar à vista de forma a aviltar a taxa oficial de câmbio de fechamento de fevereiro, a ser calculada, em sua maior parte, com base no movimento cambial que haverá na manhã de sexta-feira. É a "ptax" do dia 29 que será usada para liquidar os contratos futuros.
O Banco Central não está fazendo questão de agir vigorosamente na contenção direta da queda do dólar. Embora o giro financeiro do interbancário tenha sido expressivo, de US$ 4,127 bilhões, o leilão de compra realizado à tarde não fez o jogo de aceitar as propostas elevadas das instituições. E ele acabou comprando apenas de um único banco. E, no mercado futuro, o BC se limitou a rolar os contratos de "swaps" cambiais reversos que irão vencer na segunda-feira. Ele vendeu 34,1 mil contratos, no valor de US$ 1,632 bilhão.
O viés de baixa imposto aos juros pelo câmbio apreciado persiste cortando as projeções de CDI do mercado futuro da BM&F. A taxa mais negociada, com vencimento em janeiro de 2010, cedeu de 12,40% para 12,39%. Há um mês estava em 12,74%. O contrato que espelha o próximo Copom, com resgate em 1º de abril, está travado em 11,13%.
(Luiz Sérgio Guimarães | Valor Econômico)